O medo no trabalho aumenta a produtividade? Entenda!

Medo no trabalho. Saúde corporativa. Salú.

Muitos indivíduos utilizam da estratégia do medo no trabalho com o objetivo de estimular uma melhor produtividade em outras pessoas.

A estratégia da ameaça é encontrada em diversos meios sociais de forma ampla e generalizada, como em instituições militares, corporações, escolas, igrejas e até mesmo em ambientes familiares.

Mas será que ela é realmente efetiva? 

Que implicações desdobram sobre os envolvidos?

Na saúde do trabalho, um ambiente hostil pode ser muito deletério para os colaboradores e, consequentemente, para toda a organização que precisa da entrega total por meio dos seus resultados individuais.

Muitos estudos científicos já analisaram e compreenderam seus efeitos. 

Implicar de forma leiga ou leviana a cultura do medo, sem a menor consciência dos seus desdobramentos, pode trazer consequências graves para sociedade.

Neste artigo, explicamos os pontos mais importantes sobre o mecanismo dessa estrutura de forma individual e coletiva – porque o medo aumenta localmente a produtividade e para que tipos de tarefas.

Boa leitura!

Qual é a estratégia de ação pelo medo?

O medo é uma sensação em consequência da liberação de hormônios como a adrenalina, que causam imediata aceleração dos batimentos cardíacos. É uma resposta do organismo a uma estimulação hostil, podendo ser física ou mental. Sua função é preparar o indivíduo para uma possível luta ou fuga.

O medo existe quando alguém se sente ameaçado por algo ou outra pessoa. Varia conforme aspectos culturais e está muito ligado a situações complicadas como o assédio moral.

O medo é uma sensação pontual, diferente do estresse que vem por um acúmulo ao longo do tempo, gerando consequências graves como burnout.

Existe a lenda de que se imprimir o medo nas pessoas, elas entregarão mais resultados. Uma ótima referência sobre essa dinâmica é o filme Whiplash, que mostra a relação de um professor carrasco com seu aluno de música. 

Cenas de assédio moral como xingamentos, expulsões, atiramento de objetos, revelam um completo circo do absurdo, sempre justificado pelo mestre. Acredita que quem tiver passado e aguentado o processo por ele estipulado, mostrará ser realmente talentoso.

Filme Whiplash (2015)
Direção: Damien Chazelle

O medo no trabalho aumenta a produtividade?

Sim, porém depende do como se define como trabalho ou produtividade. 

No trabalho, causar medo num colaborador tem um efeito “local”, ou seja, logo depois da advertência, a pessoa aumenta o seu grau de atenção e executa melhor a tarefa que lhe foi pedida, desde que lhe seja familiar e não muito complexa.

À medida que essas situações de tensão são repetidas ao longo do tempo, a pessoa entra em desamparo, não surte mais efeito a implicação do medo. 

O colaborador perde a capacidade de reação ao estímulo,  esse acúmulo de experiências negativas inibe o efeito positivo local do medo. Ou seja, dura pouco tempo essa estratégia.

No ambiente de trabalho, a cultura do medo se justifica? 

Há empresas que têm uma cultura institucionalizada de estímulo ao medo.  Promovem uma competitividade exacerbada, há uma pressão insana no dia a dia por entregas, sem falar em situações constrangedoras que expõem as pessoas e as fazem se sentirem mal. Em geral, possuem uma alta rotatividade de colaboradores.

A justificativa dos gestores nesses ambientes para os colaboradores que desistem é de que  “não eram bons o suficiente” para aguentar a pressão.  Atitudes assim revelam a falta de conhecimento em entender psicologicamente o comportamento humano.

Há diversos estudos interessantes sobre o tema. Um deles pela Oxford Academy (2006) revela que quando nossos quimiorreceptores detectam o medo e são ativados, conseguimos realizar apenas atividades mais simples com alguma velocidade, ou seja, o medo chega até ser eficaz nesse caso. Porém, para tarefas mais complexas, acontece justamente o oposto: o medo diminui o desempenho. 

Desta forma, o medo é apenas eficaz  em respostas mais estereotipadas, de ataque ou fuga. O que justifica é o próprio mecanismo que o rege,  construído para tal.

Para trabalhos com tarefas que exigem mais atenção e menor elaboração, o medo é deletério e pode causar um burnout em algum momento futuro. Já em trabalhos mais complexos, com alto poder criativo, os colaboradores travam em consequência desse mesmo burnout, só que mais rapidamente.

No ambiente escolar, é melhor o professor “carrasco’ ou o “bonzinho”?

Um estudo publicado pela Learning and Individual Differences (Elsevier, 2011) foi realizado com 273 alunos entre 15 e 16 anos, num colégio na Inglaterra.

Foi testado o estilo do docente com relação à performance das provas de matemática, para saber se professores com traços que imprimiam mais medo aos alunos tinham notas superiores na sua disciplina.

No questionário, havia perguntas como:

  • Meu professor me faz pensar que não sou bom em matemática.
  • Meu professor me compara sempre com outros alunos.
  • Meu professor me diz que preciso ter uma nota alta em matemática, se quiser ter um bom trabalho.

Selecionaram grupos distintos de alunos de acordo com estilo dos seus professores, ora mais “amedrontadores”, ora mais “tranquilos”.

Para o grupo que estava com os professores mais amedrontadores, depois de 02 meses de um evento de advertência mais dura, os alunos foram melhores nas provas em média, em relação aos demais grupos.

Porém, na Inglaterra existe o teste nacional que valida o certificado do Ensino Médio, uma espécie de ENEM brasileiro, o qual é primordial para  dar direito ao diploma de conclusão do ensino.

Os pesquisadores avaliaram as notas de matemática desse mesmo grupo dos professores mais amedrontadores, um ano depois, por esse teste geral nacional. Os alunos foram piores em matemática na média em relação ao outro grupo.

Este estudo mostra as evidências de que ser um professor “carrasco” está longe de ser uma boa estratégia, pois no curto prazo funciona, mas no longo, não. Ou seja, é uma visão curta. O fato dos alunos irem melhor nas provas deste professor não valida seu método, pois do contrário não teriam um desempenho pior no longo prazo, na mesma disciplina. O medo aumenta o desempenho proximal em média, mas piora muito no distal.

Pessoas que sentem constantemente medo entregam melhor ou pior?

Todos sentimos medo, mas o que nos diferencia é a gestão dessa sensação. Tem casos curiosos, trabalhos realizados com pessoas que sentem muito medo, de forma mais constante. 

Um estudo pela The Clinical Neuropsychologist (2012) selecionou indivíduos com cefaléia crônica, os quais desenvolveram um medo do ato de pensar. Associam o esforço para executar um pensamento à dor. 

Na prática, não é por esta razão que o incômodo existe. A consequência com o tempo é uma redução das funções cognitivas, não pela dor em si, mas pela inação do pensar. 

Perceberam que pessoas com cefaléia crônica vão melhor em atividades rotineiras, pois agem rapidamente pelo receio da chegada da dor, porém executam pior atividades mais complexas.

Outro estudo foi realizado pela Journal of Applied Sport Psychology (2010) com esportistas muito competitivos, os quais têm muito medo do fracasso. 

O medo de perder excessivo para esportistas individuais de atividades motoras e de controle, como arco-flecha ou tiro ao alvo, pode até ajudar no resultado. 

Mas em esportes coletivos como futebol, normalmente mais complexos porque dependem da integração de um grupo e de lidar com uma equipe adversária, o desempenho é pior.

Teoria das psicologias de grupo: Como ter um grupo de trabalho saudável?

Wilfred Bion foi um psicanalista inglês que desenvolveu pesquisas sobre a formação e fenômenos de grupo. Escreveu em 1961 “Experiências em  Grupos”, um importante guia para os movimentos da psicoterapia grupal, o qual todo o gestor ou líder deveria conhecer. 

Iniciou seus trabalhos no exército inglês, entrou como soldado e se tornou comandante de tanque. Era extremamente sensível e otimista. Após vivenciar os horrores da 1ª Guerra Mundial, foi estudar psicanálise e outros temas de ordem mental  para abrir uma clínica e tentar recuperar todos os soldados  que participaram em batalhas e ficaram psicologicamente abalados.

Aplicou as teorias da psicanálise mais voltadas para grupos, fugindo do clássico “analista-divã-paciente”. Criou uma metodologia para avaliar como os grupos de devolvem. 

Bion teve duas linhas de pesquisa desenvolvidas:

  • Criação Supostos Básicos: entendimento dos grupos orientados para um fim, para um trabalho específico.
  • Método Clínico: trabalhar com subjetividades de cada indivíduo  para tratá-las psicologicamente em grupo.

Para as dinâmicas de empresas, é fundamental entender as questões do grupo de trabalho pelo Supostos Básicos. 

Não basta montar um grupo com alguns indivíduos. Para realmente funcionar, é necessário entender sua dinâmica, gerir os desejos e necessidades de cada para se chegar no melhor resultado em conjunto. O resultado do grupo bem gerido é maior do que apenas a soma do esforço individual de cada membro, ou seja, o grupo se torna uma espécie de entidade maior.

Todo grupo, por mais causal que seja, sempre se reúne para fazer algo. 

Algumas pessoas reclamam nas empresas das “reuniões inúteis”, que podiam ter sido resolvidas apenas enviando um email de orientação. Nesse caso, elas foram necessárias, no intuito de indivíduos aprenderem a lidar melhor uns com os outros e menos tentar resolver a tarefa em si.

O alvo é chegar num grupo de trabalho coeso, motivado pela execução da tarefa. Ou seja,  é sair do estado inicial de um simples agrupamento de pessoas para chegar num grupo saudável de trabalho.

Pelo Supostos Básicos, entendeu que existem 04 tipos de agrupamento de pessoas para realizar uma tarefa:

  1. Grupos de Ataque-Fuga: indivíduos se reúnem para fugir de algo ou se defender de algo. Em geral, há a figura de um líder perverso, que instiga pessoas, há um assédio com muito foco em metas e tempo curto de execução, se instala uma cultura que amedronta os indivíduos. O grupo não se orienta pela tarefa em si, mas faz suas atividades para se livrar da tensão, ou seja, para reduzir o desconforto da pressão. Há resultados de curto prazo, mas no longo prazo muitos erros acontecem ao prejudicar a saúde mental das pessoas. É um modelo que não se sustenta. 
  1. Grupos de Dependência: indivíduos muito dependente de um líder ou de uma lei. Em geral, essa figura de liderança é idealizada e garante a estabilidade do grupo.

Por exemplo, funcionários de empresas públicas têm os seus membros reunidos porque passaram num concurso público. Ou seja, estão unidas pela lei e não escolhidas por perfis juntos que fazem sentido para executar uma tarefa. Muitos trabalham pela estabilidade do cargo.

Há também chefes que não estimulam os times, agem de forma relapsa sem garantir evolução de todos como um grupo ou indivíduos. Podem ser bem vistos pela equipe pela ausência de pressão, mas não contribuem de forma geral para um grupo saudável comprometido com a tarefa.

  1. Grupo de Acasalamento: indivíduos comprometidos pela esperança, ou seja,  esperam algo ou alguém trazer uma solução. Geralmente ficam alienados esperando por essa solução, para ter algo muito importante que nunca vem.
  1. Grupos de Trabalho: um grupo envolvido por uma tarefa.  Há um mediador, uma figura que observa o grupo, identifica o papel de cada pessoa, as relações entre os membros e as atividades melhores para cada, constrói uma rede. O indivíduo age e retroage com o grupo, ou seja, afeta e é afetado num sistema de colaboração. 

Dessa forma, um grupo coeso de trabalho não se motiva por medo, por um chefe, por uma ordem maior ou algo imaginário. Ele deve ser construído de forma a ser mediado pelos interesses e desejos dos indivíduos. 

Num Grupo de Trabalho saudável, o líder deve ser um mediador para entender e dividir as atividades em função dos talentos individuais. Um grupo bem gerenciado chega melhor e mais produtivo em conjunto ao final da tarefa, a qual pode ser um projeto, produto ou o fim de um determinado problema. Ou seja, chega no resultado sem precisar prejudicar a saúde mental de ninguém.

Conclusão

A tática de imprimir medo nas pessoas não necessariamente resulta em uma melhor produtividade. Como exposto acima, existem fatores psicológicos complexos que interferem na reação dos indivíduos aos estímulos causadores do medo.

Nas empresas, a melhor maneira de lidar com o medo é explorar a sensação por vários ângulos, e uma das maneiras mais eficazes de realizar isso é estabelecer uma estratégia biopsicossocial de saúde corporativa. 

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