É esperado a sociedade estar mais ansiosa? 

sociedade ansiosa ansiedade saúde corporativa

Medo e ansiedade são sentimentos vistos geralmente como negativos. É desagradável senti-los, ninguém gosta no fundo. Porém, são importantes como condições adaptativas para a nossa sobrevivência, pois orientam o nosso comportamento para garantir a nossa segurança. 

Na civilização urbana atual, somos protegidos de uma série de doenças ou predadores da natureza. Não enfrentamos mais com a frequência do homem pré-histórico as intempéries e ameaças no ambiente natural. 

Mesmo assim, com a complexidade cada vez maior da nossa sociedade, os indivíduos estão cada dia mais ansiosos. 

Nesse artigo, damos um contexto do porquê. O sentimento de medo e ansiedade em alguns contextos são positivos e podem ser um guia. 

Aqui não abordaremos sobre o Transtorno de Ansiedade (CID F41.1), o qual é uma doença específica que atinge uma parcela da população.

Boa Leitura!

A sociedade está mais ansiosa?

Sim. Hoje vivemos numa sociedade “ansiogênica”, ou seja, capaz de induzir ou de causar ansiedade nos indivíduos. Senti-la depende muito do contexto social em que se vive, agravada por questões financeiras, assim como desigualdade de oportunidades, aspectos culturais, entre outras.

Evoluímos cada vez mais de forma mais complexa, logo há mais estímulos para se refletir e tomar decisões que impactarão o futuro. 

Atualmente, as pautas sociais são muito discutidas sobre questões sociais de gênero, raça, LGBTQIA +, pessoas com deficiência (PCD), etc – o que deixa a estrutura vigente mais incerta e menos binária. 

Décadas atrás, a estrutura social brasileira era menos mutável e mais previsível diante de uma “desigualdade estável”. Hoje em dia, os movimentos das minorias sociais requerem seus direitos, há um movimento de todo um sistema. 

Além disso, há um conflito geracional iminente,  pois as ideias do mundo atual são mais abruptas entre gerações do que há um século. A polarização da sociedade vem do choque dessas visões, principalmente de pessoas com visões mais antigas em relação às mais modernas.

Pela ciência, os indivíduos no fundo só querem ser menos ansiosos e terem as situações mais previsíveis – condições adaptativas para a sobrevivência. Estar em paz é uma necessidade biológica, pois o nosso sistema cerebral não foi construído para se manter ansioso. 

Mudar a dinâmica de uma sociedade é algo muito complexo, há muita tensão e choque de espectros, logo a ansiedade está presente nesse pacote. 

Na psicologia, abandonar ideias antigas gera o efeito da “dissonância cognitiva”, o qual gera muito desconforto no indivíduo. Se durante uma vida toda se teve  uma determinada crença, simplesmente abandoná-la causa a sensação de tempo perdido. O custo dessa mudança também pesa e gera ansiedade.

Muita informação o tempo todo pesa?

Há um efeito global de um mundo mais interconectado. 

Hoje, por meio de tecnologias, internet, novos meios de comunicação como redes sociais, há mais notícias chegando o tempo todo. Mais conhecimento sobre o mundo e acompanhar esses acontecimentos em diversos locais gera mais ansiedade. 

Diante de todos esses fatos, uma epidemia de pessoas ansiosas é completamente esperada, pois o mundo está mais dicotômico. Hoje as pessoas tomam muito mais cuidado ao abordarem um determinado tema numa conversa do que há 30 anos. 

A polarização é previsível do ponto de vista sociológico. Se cada vez o mundo se torna mais complexo, mais demandará da cognição humana entender todo o contexto, logo mais discussão e ansiedade se gera por viver nessa complexidade. 

Não há uma tendência de diminuir, pois cada vez mais estamos nos dando conta dessas difíceis questões. E, nas empresas, uma estratégia de saúde corporativa, que contemple todos fatores biopsicossociais dos indivíduos, é uma das maneiras mais eficazes de lidar com a ansiedade. 

Diminuir a ansiedade pela educação

Um dos requisitos para controlar a questão da ansiedade seria a mudança da estrutura da educação: ter uma visão ampla de mundo, ou seja, de não ser apenas voltada para o aspecto técnico do trabalho, para se ter uma mão de obra qualificada.

Quanto mais se conhece sobre variados temas, menos se tem a sensação de controle. Essa dicotomia vai suplantar o trabalho. 

Ou seja, quanto mais entendermos as complexidades, haverá menos rigidez ansiosa. Por isso é preciso mudar a educação com apenas foco no trabalho, aprender é uma condição inerente à vida humana para se compreender melhor o mundo e evitar as questões de saúde mental.  

Dessa forma, é necessário ter mais informação para reflexão, e não somente focar na formação para a  lógica do trabalho. Entender os mecanismos dos temas humanos nos ajuda a  ter uma maior previsibilidade, logo isso reduz a ansiedade.

Para a estrutura da educação evoluir, são necessários investimentos em pesquisas básicas. Muitas vezes são vistas como pouco práticas, mas os resultados no longo prazo são as bases das novas tecnologias. No Brasil, há uma aversão quanto a esse tipo de pesquisa nas diversas áreas da biologia, exatas e humanas, pois não há um retorno imediato sobre o investimento. 

Porém, um simples aparelho celular é o resultado de um longo processo científico, que virou tecnologia. Dessa forma, um modelo teórico se torna uma tecnologia aplicada. Os efeitos desses tipos de pesquisas são vistos muito futuramente – os cientistas de hoje só verão os efeitos depois de muitas décadas. 

Mecanismo do medo e ansiedade:

Aspectos adaptativos 

Há situações que nos causam ansiedade. Por exemplo, uma grande apresentação a ser feita dentro de uma corporação ou no ambiente escolar.

Há uma diferença básica entre emoção, afeto e sentimento. 

O afeto é o estímulo que nos chega, que mexe com a gente. Já a emoção é a resposta a esse afeto, seja causado por algo interno ou externo, é aquilo que se reflete no nosso corpo – aumento da frequência cardíaca, suor, arrepios na pele, etc. 

Já o sentimento é uma resposta mais interna e pessoal, surge a partir desses dois elementos. É uma interpretação da emoção – se está feliz ou triste num determinado contexto, por exemplo.

Toda a emoção tem duas características:

  1. Excitabilidade: num menor ou maior grau
  2. Valência: quer se aproximar ou se afastar, de algo ou alguém

Logo, essas duas variáveis podem explicar muito sobre como nos comportamos em diversas situações. Ao se preparar sobre as necessidades de uma ação, há uma redução da ansiedade. Porém, quando nos preparamos para alguma ação, podemos melhorar o resultado controlando a valência.

Num estudo publicado pela Journal of Experimental Psychology (2014), recrutaram  140 alunos para serem avaliados. O objetivo era  fazer um curto discurso de 2 minutos, o participante deveria convencer os jurados a razão pela qual  seria um bom colega de trabalho. Foram divididos em dois grupos,  os quais receberam mensagens distintas antes da apresentação:

  1. O primeiro recebeu: diga para si mesmo “estou calmo”
  1. O segundo  recebeu: diga para si mesmo “estou empolgado” 

O que aconteceu? O segundo grupo recebeu em média notas maiores  dos jurados nos quesitos  persuasão, competência, confiança e persistência. Ou seja, esses escores de notas foram maiores uma vez que a mensagem alterou a valência da emoção “ansiedade” dos indivíduos para “empolgação”. Incrível, não?

Medo e ansiedade te ajudam a se preparar para situações necessárias, nesse aspecto é uma questão adaptativa.  Se há falta de preparo, como se informar pouco sobre um determinado assunto ou não se adequar o suficiente para um evento, e escolher se submeter ao risco mesmo assim, torna-se uma questão desadaptativa.

Não adianta pensar em “alterar sua valência” se não houver um aprendizado,  estudo ou plano concreto para reduzir sua ansiedade, isso só se traduz numa falta de autoeficácia completa.

Dessa forma, esse tipo de pessimismo defensivo ajuda a se preparar para contexto ansiogênico no futuro. Alterar a  valência depende do grau de preparo anterior, além da facilidade de cada um por traços individuais. O nível de neuroticismo – grau de preocupação que cada um naturalmente carrega, impacta bastante nesse processo. 

Fazer essa reorientação perceptual, passar do medo ou ansiedade para empolgação, não será tarefa simples para algumas pessoas. Porém, há treinamentos específicos para uma melhora nesse sentido, a qual impactará em muito na sua qualidade de vida. 

Ansiedade pode agravar com contexto? 

Bases estáveis vs. instáveis

Um estudo publicado pela Journal of Personality and Social Psychology  (1974), reproduzido posteriormente no anos 90, foi realizado com um grupo homogêneo de 85 homens heterossexuais. Foram divididos em dois grupos para realizarem o experimento em dois contextos diferentes. Um grupo realizou o experimento em cima de uma ponte de travessia um pouco mais frágil, com cordas que balançavam, já o outro grupo em uma ponte mais rígida, de concreto.

Os pesquisadores eram homens e mulheres, se encontravam com cada indivíduo no meio da ponte.  Apresentava a mesma figura a todos e pedia para cada pessoa contar uma história. Na sequência, entregava um cartão com seu telefone para a pessoa entrar em contato, caso quisesse saber os resultados da pesquisa.

Resultados:

Na ponte mais frágil: as histórias eram mais românticas ou de cunho sexual, os indivíduos ligavam com maior frequência para o pesquisador, principalmente quando era uma mulher. 

Na ponte mais fixa: as histórias eram mais neutras, os indivíduos ligavam menos para os pesquisadores.

Entendemos que pelo contexto, os participantes apresentam comportamentos muito diferentes. Há uma variação no estado interno de cada grupo. 

Na ponte mais frágil, o fato dos indivíduos apresentarem mais medo, pois o corpo sentia o balanço fisicamente e apresentava uma resposta de tensão, os indivíduos associavam essa sensação ao medo do flerte, aquele “frio na barriga” de quando está conhecendo alguém. 

Esse experimento é uma metáfora de como a sociedade pode encarar os desafios. Os contextos reverberam para se criar soluções que resolvem os problemas. Em estruturas mais seguras, as pessoas se comportam de uma maneira mais calma. Em ambientes mais inseguros, o medo pode dominar e atrapalhar a evolução das ações e dos seus planos.

Por isso, o contexto das desigualdades sociais têm um peso relevante nas decisões pessoais. É uma contingência estar numa estrutura pior, ou seja,  nascer com ausência de boas condições é algo além do indivíduo. Para se ter estruturas melhores, é necessário um esforço coletivo, que se estende desde políticas públicas à consciência dos privilégios inerentes.

À medida que essas “pontes inseguras e rígidas” são mais equalizadas, gera-se uma tensão social. Para uma pessoa que não acessava certos locais e passa a frequentar, ainda existe um lado inseguro no seu estado interno que a tensiona. Para outra pessoa que perdeu algum privilégio, é desagradável a sensação dessa divisão. A dificuldade é coletiva, por isso é longo o caminho para se conquistar uma sociedade mais justa.

Conclusão: ansiedade na vida e no trabalho

O medo e a ansiedade são sentimentos inerentes aos seres humanos. De forma adaptativa, indicam a necessidade de um preparo e conhecimento a fim de diminuí-los, ou seja, quanto mais se reduz a incerteza de um evento, há uma maior sensação de segurança.

A sociedade, por ser cada vez mais complexa, gera uma tensão nos indivíduos de forma global com suas mudanças constantes. Ressignificar a educação para além do trabalho é necessário para entender essa complexidade do mundo. Ou seja, precisamos ir além do preparo para se ter um emprego formal, o conhecimento amplo é necessário para reduzir as incertezas de forma mais pacífica. 

A relação do medo com o contexto dos indivíduos – o qual pode ser muito além das suas escolhas, impacta diretamente na saúde mental das pessoas. A desigualdade social e a falta de conhecimento devem ser combatidas para termos avanços mais coletivos.

Nossa evolução equânime é uma jornada complexa a ser conquistada, mas não impossível. Vamos em frente!

Mais Lidos